O Cavaleiro e o Anjo que colocava as estrelas no céu
E o Cavaleiro perguntou à fada: - Haverá algo a escrever sobre mim? A fada respondeu: - Serão muitas as histórias que irão contar e escrever sobre ti, mas apenas uma será importante e será aquela que não será escrita mas vivida. Serás conhecido por muitos nomes, mas a apenas um responderás com amor. A história que queres viver começa em teu coração e repousa na tua vontade de ser feliz, percorre o caminho e verás. As tribulações são muitas mas guarda-as em teu coração como lições pois nessas alturas terás sempre dois caminhos: perecer, ou libertares-te e transformares-te. Escolhe sempre a segunda bravo cavaleiro, veste todos os dias o manto da coragem e coloca em teu coração a determinação e a alegria pois só assim viverás a tua história até ao fim. E nessa altura o Cavaleiro subiu nas asas do seu Dragão e voou.... descobriu e visitou terras longínquas, falou e conheceu muita gente de muitos locais e regiões remotas, subiu aos cumes das montanhas mais altas e desceu escarpadas encostas, envolveu-se em lutas umas com causa, outras sem e foi numa dessas viagens entre aventuras e perigos que ele a viu... sentada em um ramo de árvore a ajudar a lua a colocar as estrelas. O seu coração se inundou-se do mais puro amor e todas as noites ele voltava aquele lugar e ficava a contemplá-la sem coragem de falar, passava horas a observar os seus gestos, e uma a uma ela entregava as estrelas à Lua, sempre no mesmo ritmo cadenciado, num gesto de amor e ternura e assim ele adormecia. Quando se levantava pela manhã já ela lá não estava, e ele subia de novo no seu Dragão e voava, mas era como se as cores de tudo o que via se tivessem transformado, a aventura perdera o brilho, o verde já não era tão vibrante, e o azul do céu misturado com o branco das nuvens já não o preenchia como antes. O que antes o preenchia fazendo-o viajar pelos quatro cantos do mundo agora encontrava-se cingido aquele pequeno espaço, o mundo inteiro e todas as suas aventuras dentro de um espaço de metro e meio onde ele era feliz, onde tudo tomava cor e brilho... queria falar com ela mas como? Não tinha coragem... e nessa noite quando adormeceu a sua amiga fada visitou-o em sonhos: - Recordas-te do que te disse bravo Cavaleiro? - Sim, vagamente, preenchi os meus dias com minhas aventuras, bebi da fonte da descoberta e comi o pão do conhecimento, travei amizades, conquistei e ultrapassei os meus limites, mas neste momento so encontro a alegria neste pequeno espaço e nao sei como tornar a minha felicidade completa. - respondeu ele tristemente - Como te disse um dia, tens de vestir o manto da coragem, as tuas decisões devem ser tomadas com amor e com a sabedoria alcançada nas tuas viagens. Segue o teu coração bravo Cavaleiro, mas para isso tens de ter coragem... E a pequena fada desapareceu... abriu os olhos e o sol ja ia alto, e mais uma vez foi em mais uma das suas aventuras, quando a lua começou a surgir no céu ele voltou ao seu local favorito e aguardou ... ela ainda não havia chegado... esperou mais um pouco e reparou numa pequena névoa que começava a surgir no local onde ela costuma estar, quando se dissipou lá estava ela e Cavaleiro viu que não era uma menina qualquer, era um anjo, um pequeno anjo, mas as suas asas viam-se apenas por breves instantes antes da névoa desaparecer por completo. - Olá! - disse o Cavaleiro, surpreendido por ter conseguido pronunciar aquela palavra. O anjo tentou fugir mas sabia que não conseguiria sair dali. - Espera! Espera... Quer dizer .... Não vás... -Não posso ir... Mesmo que precise de fugir não posso... Independemente do perigo. - respondeu o pequeno anjo assustado - Não represento perigo algum. Apenas quero ser teu amigo, não podes sair daí? - Não. Preciso de cumprir o meu trabalho, todas as noites entrego as estrelas à lua para que elas brilhem no céu e possam encantar a todos os que as contemplam. Apenas quando a Lua está escondida posso descansar, pois nessas noites as estrelas surgem como por magia. E nessas noites eu permaneço no meu mundo de cristal e amor. - Compreendo. Disse o cavaleiro docemente. Então quer dizer que não conheces o mundo que nos abriga? -Não. - Como teu amigo farei o seguinte, retornarei todos os dias ao final do dia e ficarei aqui todas as noites contigo e em cada noite te contarei uma história. Uma aventura que eu tenha vivido. - Farias isso para mim? - Sim. E assim foi. Todas as noites o cavaleiro ia ter com ela e contava-lhe uma aventura que tinha vivido em troca recebia dela o mais belo sorriso que alguma vez tinha visto. E aquele sorriso era o mundo para ele. Todas as batalhas que tinha travado, todas as terras que visitara, todas as vezes que subira nas asas do seu dragão nada se comparava ao que sentia quando estava com ela e o quanto aquele sorriso e olhar de esperança o iluminava. Ali naquela doce e fragil criatura estava o culminar da sua busca. -Gostava tanto de te acompanhar. -Porque não vens comigo? - Não posso, não podemos relacionar-nos com os humanos fora do nosso espaço. - Não entendo... porquê? - Morreria. O coração do Cavaleiro entristeceu e teve vontade de chorar... nunca poderia compartilhar das aventuras com quem mais amava Nessa noite antes de adormecer ele apelou à fada que sempre o guiara e pediu-lhe que lhe desse uma resposta. Ouvindo o seu apelo a fada apareceu. -Chamaste-me meu bravo cavaleiro e aqui estou eu. A resposta a tua pergunta reside apenas e somente no coração da tua pequena fada... Tal como tu, de modo a ser livre ela tem que ter a coragem para enfrentar o seu medo. Ela tem de fazer uma escolha. E o seu medo reside junto com o seu amor. - Não entendo. -Tem sempre de haver uma troca para o equilíbrio do mundo ser mantido. Ambos terão que enfrentar essa decisão, também tu terás uma escolha a fazer. O teu coração apaixonou-se por um ser de outra dimensão e terá que mostrar que é digno do seu amor pois a escolha dela não é fácil. Quando acordou já tinha amanhecido mas o sol estava escondido por entre as nuvens, contrariamente aos outros dias o cavaleiro não saiu com o seu Dragão e esperou pela noite e quando o seu anjo surgiu no ramo da árvore ele saudou-a e contou-lhe tudo o que sucedera. -Por isso te pergunto... Qual o teu medo? -Que os homens fiquem sem as suas estrelas. Que as crianças percam a alegria de as contar, que os amantes percam o momento de as contemplar, que os marinheiros se percam no mar e os viajantes no deserto fiquem sem estrelas para os guiar... O meu amor pelo ser humano é grande e não quero nunca que ele se perca ou perca a alegria. Tirar-lhe as estrelas é tirar-lhe momentos de felicidade. O Cavaleiro ficou surpreso, não era o medo da morte que a impedia era algo maior. Entendia agora as palavras da fada - Mas... neste momento... - continuou o pequeno anjo - existe um desejo tão grande quanto o meu amor. Desde que comecei a conhecer-te e a ouvir as tuas historias que desejo vivê-las e partilhá-las contigo, transformaste o meu mundo, e de bom grado daria a minha imortalidade para viver essas aventuras contigo. Não sei o que é ser livre, da liberdade apenas conheço o que vivo no meu mundo, onde tudo é bom. Ele não sabia o que dizer, apenas se apercebeu que o seu amor por ela era tão grande que de bom grado abdicava de sua liberdade para tomar o lugar dela. E quando adormeceu chamou pela sua fada e disse-lhe que tinha feito a sua escolha, e pediu para tomar o lugar do seu anjo. - O que me pedes traz consigo a tua morte física, sabes o que isso quer dizer não sabes? - Sei. E nesse momento enquanto o pequeno anjo colocava as estrelas no céu viu uma luz intensa a brilhar sobre ela e dela saiu o seu amigo cavaleiro que lhe disse: - Meu pequeno anjo que transformaste a minha vida em algo mais que aventuras e lutas, deste à minha existencia uma cor e uma vida que nunca antes tinha visto, para que possas ser livre eu tomo o teu lugar todas as noites para que a alegria dos humanos não se perca e tu possas conhecer a tua liberdade. O pequeno anjo já liberto das amarras do seu trabalho tomou um novo brilho ergueu-se junto do Cavaleiro e olhando para o firmamento encarou a Lua e disse: - Amada Lua, que vivi contigo todas as noites desde que o mundo é mundo, colando as estrelas no céu e vendo os humanos a contemplá-las, apenas uma coisa te peço, que fiques com a minha imortalidade e dês parte da minha vida ao meu amigo para que ele possa voltar a viver e comigo partilhar de todas as aventuras, porque a felicidade e a liberdade só fazem sentido quando partilhadas... A Lua enternecida com as palavras dela chamou a Fada do cavaleiro e juntas com a sua magia colocaram as estrelas no céu para que todas as noites elas pudessem lá estar para os humanos. E... o Bravo Cavaleiro e o seu Anjo subiram no Dragão e voaram rumo a novos destinos e aventuras.
Fim
imagem retirada de The world of James Brown
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