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Conto III (Terceiro) O Pequeno Búzio e a Ousada Onda


A história de um amor (im)possível

Mais um dia se passara e uma lágrima caiu dos olhos do pequeno búzio, perguntou mais uma vez ao céu estrelado que neste momento se estendia sobre si, porque também ele não tinha o direito de sentir o toque e o sabor das ondas.

Tinha o destino querido que ele se instalasse logo após o limite de onde as ondas tocam a areia e a mera distância de um pequeno caranguejo impedia-o de concretizar esse sonho. Ansiava por saber ao que saberia a água do mar, se seria tão quente como o sol que o aquecia durante o dia ou fria como a noite quando o envolvia, ansiava por sentir o toque das ondas na sua capa, seria suave como a brisa do vento, ou pesada como a chuva quando caía torrencialmente? Todas as noites quando as estrelas apareciam no firmamento e a lua o olhava lá do cimo o pequeno búzio erguia os seus olhos e perguntava:

- Quando será que o mar me vai tocar? – Mas a resposta era sempre a mesma, um silêncio ensurdecedor que ecoava do alto céu.

E ele acabava por adormecer esperando que um dia esse silêncio se quebrasse com uma resposta ao seu pedido.

Quando o pequeno búzio acordou o sol já ia alto, e estava particularmente muito quente, ele conseguia ouvir bem perto de si as outras conchinhas gritando alegremente e falando entre si o quão maravilhoso era poder sentir a frescura das ondas naquele dia cheio de calor e mais uma vez ele não pôde deixar de se sentir muito triste, voltou a retirar-se para o seu mundo e fechou-se em si mesmo acabando por adormecer devido ao calor infernal que se infligia sobre a sua capinha. E foi nesse momento, não sabe precisar bem quando, mas foi naquele instante que o milagre se deu e uma onda mais ousada ultrapassou o limite imposto por todas as outras antes de si e beijou a pequena concha! Ele nem conseguiu reagir ficou tão sobressaltado que precisou de uns momentos até perceber o que tinha acabado de acontecer. Teria sido um sonho? Teria imaginado? Não, não podia ser, ainda sentia aquela sensação desconhecida no seu corpo, seria a tal frescura que ouvira as outras conchinhas comentarem? E quando pestanejou ainda saíram uns salpicos de suas pestanas ainda molhadas…. Sentia-se tão feliz, era como se todo o seu corpinho não conseguisse conter tanta felicidade e nesse dia o nosso pequeno búzio adormeceu com um sorriso no rosto e no coração mas não sem antes contar às suas companheiras de todas as noites o milagre que tinha sucedido.

E quando o novo dia raiou espreguiçou-se e ficou à espera que o milagre sucede-se novamente, e assim aconteceu, todos os dias, dia após dia, a ousada onda sempre na mesma altura do dia rompia a barreira e beijava o búzio, e todas as noites ele adormecia pensando em quando iria sentir novamente o beijo da onda. E sempre que o sol raiava ele começava a preparar-se para o fugaz encontro com a sua onda, e vestia-se do mais puro amor, cobria o seu coração de ternura e o seu olhar de estrelas e aguardava. Com o passar do tempo percebeu que só seria totalmente feliz quando pudesse estar com a sua onda para sempre e a nostalgia abraçou-o sabia que isso não seria possível, mas encheu o seu coração de esperança pois também um dia havia pensado que nunca seria tocado por uma onda do mar e hoje podia dizer que sentia o seu sabor a sal, a sua frescura cristalina e a sua leveza, um dia quem sabe estaria junto a ela.

Naquela manhã o dia amanhecera cinzento, não estava propriamente um dia de tempestade, mas avizinhava-se um vento um pouco forte e alguma chuva. Mas mesmo assim o pequeno búzio voltou a vestir o Amor e a Ternura e as Estrelas preencheram o seu olhar e ele aguardou, cuidadosamente preparado, para o beijo diário. Esperou…. esperou…. esperou….. e foi quando ele pensou que ela não viria, que a ousada onda subiu a areia e o envolveu totalmente em seus braços, levando-o consigo para o mar. O pequeno búzio não cabia em si de tanta felicidade, dançou nos braços da onda que o envolvia num “e-terno” abraço, para que a acompanhasse na sua dança marítima e o búzio recordou-se que o Mar tinha sido a sua verdadeira casa, o Mar era o seu lar, fora lá que nascera, mas havia passado tanto tempo solitário naquela areia que acabara por esquecer a sua origem, mas no fundo do seu coração sabia que era ali que pertencia e tinha sido a sua onda que o tinha levado de volta ao local onde ele era agora completamente feliz.

E ao cair da noite ele voltou a erguer os olhos e no fundo do mar onde as estrelas pareciam mais brilhantes do que nunca ele adormeceu em paz nos braços da onda que se recolheu ao fundo do mar para ficar com o pequeno búzio, trocando as longas viagens até à praia pelo conforto e aconchego do sentimento que nutria por aquele pequeno búzio….

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